A RUA DAS HORTAS EXISTE MESMO. FICA SITUADA EM MOURA, NO BAIRRO DO SETE E MEIO.
ESTE BLOGUE É O DIÁRIO DE BORDO DA HORTA COMUNITÁRIA AÍ EXISTENTE. INICIALMENTE ASSOCIADA A UM PROJECTO DE FORMAÇÃO PARA PÚBLICOS DESFAVORECIDOS, COMO ESPAÇO DA COMPONENTE TECNOLÓGICA DO CURSO, A HORTA ENCONTRA-SE AGORA NUMA SEGUNDA FASE. NESTE MOMENTO, ACOLHE ALGUNS DOS FORMANDOS QUE MOSTRARAM VONTADE EM PROSSEGUIR A ACTIVIDADE PARA A QUAL FORAM CAPACITADOS E ESTÁ ABERTA A OUTROS INTERESSADOS EM ACEDER AOS RESTANTES TALHÕES DEIXADOS LIVRES. UNS E OUTROS SÃO RESPONSÁVEIS PELA GESTÃO COMUNITÁRIA DA HORTA, MEDIANTE A OBSERVÂNCIA DE UM REGULAMENTO E CONTRATO DE UTILIZAÇÃO. ESTE PROJECTO CONTA COM A ORGANIZAÇÃO DA ADCMOURA EM PARCERIA COM A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA, NÚCLEO LOCAL DE INSERÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL, EQUIPA TÉCNICA DE ACOMPANHAMENTO FAMILIAR PROTOCOLO DE MOURA E CENTRO DE EMPREGO DE MOURA. TAL COMO ATÉ AQUI, ESTE É TAMBÉM O ESPAÇO PARA FALAR DE REGENERAÇÃO URBANA, AGRICULTURA BIOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO.

domingo, 24 de outubro de 2021

Francisco, o hortelão

A Horta Comunitária de Moura, mesmo em frente à sua casa, preenche-lhe os dias. De regador na mão, garante que é «uma boa entretenga», um verdadeiro bálsamo para a saúde mental e física. «Saio de casa, venho para aqui e distraio-me, faço ginástica a cavar e a regar, porque não paro quieto, e ainda por cima a horta dá-me estes tomates e estas cebolas sem “químicas”. Isto não tem preço.»

Jornal da Nossa Terr@ (JNT) : Quando veio para a Horta ?

Francisco Borralho (FB) :

Foi em 2017.

JNT : Que diferenças encontra entre trabalhar numa horta individual e numa horta comunitária, partilhada com outras pessoas?

FB : Aqui temos camaradagem e o convívio. Ainda ontem aconteceu o Tói dar-me umas alfaces novas. E eu ajudo-o quando ele me pede. A malta aqui dá-se tudo porreiro. Eu sou mais o guarda, porque vivo aqui ao pé. Depois, também dividimos a água. Cada um rega na sua hora. Assim todos se governam.

JNT : Quais as vantagens de ter uma horta ? 

FB : Quem não tem uma horta como esta perde muita saúde. Porque aqui é tudo biológico. É tudo são. E depois as coisas que tiramos da horta não as pagamos. Amanhã, estas couves vão servir para um caldinho verde. Leva alho e coentros, também apanhados aqui. Tomara que as abóboras estejam prontas para fazer umas sopas belíssimas. Tenho aqui couves, tomates, alfaces de duas ou três qualidades, beterraba, beldroegas, feijão-verde, cebolas, morangos, hortelã, hortelã-da-ribeira, poejos...

JNT : Com a crise provocada pela Covid-19, pensa que as hortas vão ganhar ainda mais importância ?

FB : Há já muita gente a passar mal, que precisa disto. Quem tem uma horta não tem que ir comprar fora, e por isso poupa, e bem! É uma ajuda boa. O vírus não trouxe só coisas ruins. Voltou as pessoas mais para a natureza.

Entrevista publicada no Jornal da Nossa Terr@ - nº6, 11 Agosto 2020.


sábado, 23 de outubro de 2021

As hortas-jardins de Tempelhofer Feld (Berlim)

No dia 6 de Junho de 2019, em que Berlim foi a capital europeia mais quente, registando 33 graus Celsius à sombra, a Regina e o Markus, munido de geladeira com cervejas e salame de carne, deram-nos a conhecer o maior parque público da cidade. A sua criação data de 2010, depois do encerramento do aeroporto de Tempelhof, dois anos antes, e de os berlinenses terem sido chamados a pronunciar-se sobre o destino a dar às antigas instalações aeroportuárias, que incluem terminais de partida e chegada, hangares e oficinas, pistas de aviação e espaços envolventes.

Beneficiando deste envolvimento cívico e de algum investimento público, o aeroporto de Tempelhof transformou-se em poucos anos no principal local de lazer da cidade alemã, ou seja, no Tempelhofer Feld, um espaço de cerca de 400 hectares onde é possível a prática de bicicleta, skate, patins, segway ou kitesurf, mas também a realização de festivais de música, actividades de conservação da natureza e agricultura sustentável, de economia circular e colaborativa, assim como o desenvolvimento de processos participativos como os que dizem respeito a criação e gestão de hortas-jardins pelos cidadãos.   

Há quem venha propositadamente do centro de Berlim, de comboio, como nós fizemos, para passar uns bons momentos no seu "paraíso" de 4 metros x 4 metros, entre canteiros de flores e legumes, com uma viola ou um livro nas mãos, apanhado ali perto, na pequena biblioteca instalada dentro de uma espécie de cabina telefónica. Há também aqueles que vivem nas redondezas e chegam a pé ou de bicicleta, em grupos de amigos ou famílias, para tomar simplesmente ar ou refastelar-se na relva a pretexto de um piquenique.















terça-feira, 12 de outubro de 2021

Os primeiros dez anos da Horta Comunitária de Moura (11-10-2011 / 11-10-2021)

Passam agora dez anos. A primeira década, de muitas que se seguirão, da Horta Comunitária de Moura. Começou por ser um projecto formativo para jovens desempregados. Continua a ser um processo de aprendizagem e muito mais para os que chegaram depois e por lá se mantêm. Os que plantam para escapar à rotina, para ocupar o tempo e desocupar a cabeça, para matar saudades do campo, para combater as crises do nosso tempo (económica, ambiental, pandémica…), para entreter a reforma e celebrar a vida («é melhor estar aqui do que sentado o dia inteiro num banco de jardim»). Ir à horta era há dez anos o que é agora, cada vez mais: uma tendência sem marcha atrás. Estamos de volta à terra para produzir os nossos próprios alimentos. De onde vem o apelo? Da necessidade do regresso às origens, da relação umbilical entre homem e terra, das preocupações alimentares, da consciência ambiental, do imperativo da sustentabilidade. Contra a pegada ecológica dos alimentos, o consumo de produtos próprios da estação, produzidos à porta de casa. É esta a filosofia que nos move.

Para aqui chegarmos, percorremos um longo caminho. Primeiro, a cedência, pela Câmara Municipal de Moura, da Horta à ADCMoura, no bairro do Sete e Meio. Depois a mobilização (ao de leve) do terreno com o tractor da APPACDM. Seguiu-se a vedação com paus e rede ovilheira. A delimitação dos talhões de cultura, recorrendo a técnicas de agrimensura do Antigo Egipto. A preparação do solo de modo muito pouco intrusivo. A análise de amostras de solos. A sementeira em tabuleiros e nos talhões, “à linha”, “ao rego”… A plantação de alfaces, couves, cebolas, alhos, tomates, pepinos, curgetes, abóboras... de acordo com as estações. A cobertura do talude com plantas aromáticas e medicinais (faixa de compensação biológica!). A estrumação. A consociação. A rotação de culturas. A monda. A rega. A colheita. Tudo para auto-consumo. Quando há excedentes costumam ser dados ou partilhados entre os utilizadores. Ou não fosse a horta chamar-se comunitária, isto é, um espaço solidário. E por ser comunitária, há tarefas colectivas que a todos competem: caiar o muro (em 2011 e 2013), limpar o tanque (em 2012 e 2016), manutenção de compostores, colheita de frutos (figueira e oliveira), poda de árvores, instalação e manutenção de casa das ferramentas e do sistema de rega gota-a-gota…Pelo meio foi criado o Regulamento de Utilização (https://docs.google.com/.../0B5uLyhc08-x.../edit...), o Guia de Utilização (https://docs.google.com/.../0B5uLyhc08-x.../edit...) e o blogue da Horta (https://ruadashortas.blogspot.com/). A Horta, por ser comunitária, é essencialmente um espaço de pontes com a comunidade. Em 2013, 2015 e 2017, celebrámos o Dia Mundial da Árvore e da Poesia (21 de Março), com a participação de Fernando Pessoa, Luís de Camões, Eugénio de Andrade, Cecília Meireles, Alexandre O’Neill, Homero, Capicua, Sophia, e em 2015 e 2017, em parceria com a European Plant Science Organisation/Sociedade Portuguesa de Fisiologia Vegetal/Instituto de TecnologiaQuímica e Biológica da Universidade Nova de Lisboa, comemorámos o Dia Internacional do Fascínio das Plantas com inúmeras actividades dirigidas aos alunos do Centro Infantil Nossa Senhora do Carmo, Escola do 1º ciclo e Jardim Infantil do Sete e Meio e Escola do 1º ciclo do Fojo. Em 2012, 2014 e 2016, voltámos a receber mais alunos do Centro Infantil Nossa Senhora do Carmo para participarem em mais actividades sobre educação ambiental e agricultura biológica. Em 2015, tivemos a visita de crianças do Ateliê de Verão da Câmara Municipal de Moura. Também em 2015, a Horta foi visitada por Santiago Macias (presidente da Câmara Municipal de Moura) e por Álvaro Azedo (presidente da União de Freguesias de Moura e Santo Amador). A Horta foi objecto de conferências em Escolas de Moura e Amareleja, em 2017 e 2018. Participámos no Festival do Peixe do Rio e do Pão, em 2015. Organizámos duas oficinas de recolha e conservação de sementes tradicionais com a participação do José Mariano, da Colher para Semear. Em 2012, preparámos um almoço volante na Horta, com base nos produtos colhidos na Horta. Colaborámos com o projecto Re-Planta e associámo-nos ao Ano Internacional dos Solos, em 2015, e ao Ano Internacional das Leguminosas, em 2016. Em 2017, apresentámos a Horta à Capicua, em Évora, a propósito do seu espectáculo Mão Verde, e ficámos a saber que também cultiva uma. No ano seguinte, a Horta recebeu uma comitiva de agricultores de Cabo Verde, interessados em conhecer as nossas (boas) práticas.

Tudo isto não seria possível sem o contributo de muita gente (mesmo correndo o risco de esquecer alguém):
Formandos-hortelãos: Armando, Ana Lúcia, Ana Paula, Ana Filipa, Dina, Joaquim, Jorge, Jonas, Hugo, Isabel, Judite.
Formadores: João Rosado, Dulce Alcobia, Irene Aparício, Claúdia Guerra, Filipe Sousa.
Hortelãos pós-formação: Filipa, Zé Maria, Aquilino, José Valente, Jorge Caraça, Rosa, Joaquim Simões, Natércia, Sr. António, António Machado, Francisco Borralho, Nuno Moita…
Interlocutores da Câmara Municipal de Moura na cedência da Horta: Maria José Silva (vereadora), Jorge Pais.
Outros nomes importantes: Sr. Victor e Diamantina Escoval (APPACDM), Lurdes Lampreia, Paula Sério, Fernanda, Joana Portela, Ana Catarina (Centro Infantil N. Sra. do Carmo), Beatriz, Josefa Monge e António Monge (EB1 do Sete e Meio), Ricardo Desirat e Rita Contente (Sugo Design), Clara Lourenço e Cristina Marim (ADCMoura), Zé Barão, Chico Barão e Zé Tóino (os vizinhos).
Passaram dez anos desde que lançámos a semente. Gerou um oásis de verde e criatividade. Entrou nas nossas vidas. Ganhou raízes. Ganhou o futuro. Prontos para mais dez anos.

2021


2020


2019


2018


2017


2016


2015


2014


2013


2012


2011

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

O regadio e a horta mediterrânica

Ao lermos a notícia, veio-nos à memória a visita que fizemos este ano, em Abril, à Horta Comunitária do bairro de Benimaclet, na cidade de Valência, e que as fotografias testemunham. 
A FAO acaba de inscrever (27.11.2019) o Regadio histórico da Horta de Valência na lista dos Sistemas Importantes do Património Agrícola Mundial (Globally Important Agricultural Heritage Systems). Com esta decisão, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura vem reconhecer o legado cultural, ecológico e agrícola desta complexa infraestrutura hídrica desenvolvida durante o período islâmico, se bem que as origens do regadio nesta como noutras regiões do Mediterrâneo sejam certamente mais antigas. 
Ao mesmo tempo que ajudou a estruturar, ao longo de mais de mil anos, um território singular em que se combinam biodiversidade agrícola, ecossistemas resilientes e um valioso património cultural, continua a garantir à comunidade valenciana, nos dias de hoje, a produção de alimentos frescos e de qualidade através de seis mil explorações agrícolas familiares, incluindo dez de pesca, que beneficiam da sua rede de acéquias e canais de irrigação. 
Além disso, este sistema ancestral constitui uma fonte de inspiração para inovações sociais e tecnologias agrícolas actuais e futuras, num horizonte marcado pelos desafios de adaptação às alterações climáticas e de gestão eficiente dos recursos hídricos e do solo e pelo imperativo do desenvolvimento rural sustentável, da soberania alimentar e da produção local, amiga do ambiente. O próprio sistema de gestão do regadio é único, havendo até um Tribunal de Águas, considerado a mais antiga instituição jurídica da Europa, que remonta aos tempos do califado de Córdova, para dirimir disputas sobre o uso da água. 
Em certa medida, esta decisão acaba por chamar a atenção da comunidade para a necessidade de se preservarem, da expansão urbana desenfreada e de práticas agrícolas inadequadas, alguns dos símbolos mais representativos da civilização agrária mediterrânica associados ao regadio e às hortas, que conferem, a par das áreas de sequeiro dominantes, a originalidade da paisagem agrária de que nos fala Orlando Ribeiro, no seu Mediterrâneo - Ambiente e Tradição: «Em comparação com as regiões europeias confinantes, a paisagem agrária mediterrânea distingue-se pela raridade dos bosques tanto como pela abundância das árvores, que ora formam plantações estremes ora se vêem associadas aos campos, pela complicação do desenho do cadastro e certa indecisão nos limites dos incultos e por uma oposição, desenhada com o maior vigor, entre culturas sem ou com adução artificial de água. Sequeiro (secano, em espanhol) e regadio não são apenas duas formas de utilização do solo, mas autênticos modos de vida perfeitamente diferenciados no conjunto do ambiente rural.»  

Horta comunitária de Benimaclet (Valência) | fotografia: Filipe Sousa | Abril 2019
Prosseguindo com o geógrafo:

«Há dois tipos de rega: a de abundância e a de carência. No primeiro caso, usa-se a água de que se dispõe  em larga cópia para intensificar certas produções: vimos já que a Europa média conhece, em certos prados de montanha muito generalizados nos Alpes, por exemplo, esta forma de rega. A rega de carência aplica-se, por um lado, a culturas que sem ela nada produziriam e, por outro, utiliza os mais complexos recursos na obtenção e na distribuição da água. Todo o regadio mediterrâneo pertence a este segundo tipo. Ele é (...) não apenas outro estilo de paisagem, mas outro modo de vida no ambiente rural. As huertas espanholas da Andaluzia e do Levante, verdes alfombras pousadas nas paisagens mais adustas da Europa, servirão para exemplificar esta outra face de uma civilização agrária.» (...)


Horta comunitária de Benimaclet (Valência) | fotografia: Filipe Sousa | Abril 2019
«A Espanha árida mediterrânea é, por excelência, o domínio do regadio. O contraste entre a horta e o sequeiro é total; neste, apenas medra o esparto (Stipa tenacissima, uma erva de estepe) que se colhe como matéria-prima de uma característica indústria popular destes lugares secos - a confecção de alpercatas; plantações recentes de opúncias e alguns raros bosques raquíticos de pinheiros de Alepo não mitigam a impressão de deserto que deixa o corredor de montanhas por onde a huerta de Múrcia desenrola as suas cambiantes de verde húmido e macio. Em torno da horta de Valência ainda crescem alfarrobeiras, aqui nada mais do que tufos de erva rala e ressequida. A terra tem um tom entre cinzento-claro e amarelo sujo e nada oculta a ossatura do relevo. (...) Uma linha, que parece traçada à régua, separa os tons fulvos dos tons verdes: é a acéquia ou canal de rega principal, originária de um sangradouro a montante do rio, que não é mais do que um leito de pedras e, de longe em longe, não chega para conter a cheia devastadora. E este contraste é tão impressionante aqui como nas margens do Nilo, espécie de imensa horta ou de alongado oásis ente os alcantis esbranquiçados onde também, com o relevo, começa o deserto.»


Horta comunitária de Benimaclet (Valência) | fotografia: Filipe Sousa | Abril 2019
«Na horta tudo se rega: o cereal e o pasto, as árvores de fruto e a vinha, as hortaliças e saladas, as flores e os bosques de choupo para pasta de papel. A terra adquire um valor extraordinário e exige uma assombrosa concentração de trabalho. A propriedade é dividida, dentro dela a exploração parcelada em minúsculos talhões onde se associam diversas culturas. Aqui triunfa realmente o que os italianos chamam coltura promiscua, aspecto que apenas alguns trechos de sequeiro também revelam, e com esta justaposição ou até sobreposição de culturas (a árvore e as plantas baixas), uma arte minuciosa de construção de canteiros, abertura de regos, alisamentos da terra, sachas, mondas, apanha de produtos, podas, limpezas, autêntica jardinagem que é lícito opor, como no Extremo-Ocidente, aos processos mais largos e expeditos da verdadeira agricultura. Apanha-se uma colheita à tarde, sacha-se, alisa-se e estruma-se de noite para semear na manhã do dia seguinte. O turno de rega vem a qualquer hora e, pela calada da noite, encontra despertos todos os proprietários ou exploradores dos talhões por onde vai passando.» (...)


Horta comunitária de Benimaclet (Valência) | fotografia: Filipe Sousa | Abril 2019
«O povoamento rural disperso acompanha sempre o regadio, mas toda a horta tem também a sua cidade. Algumas parecem a condensação inevitável da população esparsa nos seus arredores, como Múrcia; outras têm a sua vida própria no mundo de relação, como Valência, porto e centro industrial. Um ar de exotismo impressiona em todas elas, onde as marcas muçulmanas são evidentes.» (...)


Horta comunitária de Benimaclet (Valência) | fotografia: Filipe Sousa | Abril 2019
«O regime de utilização das águas é muito diverso. Há hortas onde a água anda ligada à posse ou exploração da terra, outras onde se leiloa ou adjudica pela maior oferta. A água tem assim uma cotação, como qualquer produto, valorizando-se nos anos mais secos, em que se reserva, por essa razão, às culturas de maior rendimento. Há rios que pertencem a várias povoações: a sua utilização obedece a normas minuciosas, cumpridas com o maior rigor, que é do interesse de todos respeitar. (...) Há águas de vária proveniência, umas comuns, outras particulares que que, como tais, são objecto de transacção ou cedência. Mas sempre acompanha o regadio a associação dos seus beneficiários e a disciplina da sua utilização. A acéquia tem a sua administração, os seus zeladores, os seus juízes. As atribuições destes organismos são muito vastas: velam por que se cumpram as normas na distribuição da água, aplicam penas aos transgressores, geralmente multas ou privação de água por certo tempo, cuidam dos trabalhos e consertos exigidos pela instalação de regadio e, nos anos em que a água escasseia, podem privar dela certas culturas para acudir às que, sem rega, estariam em risco de perder-se. O tribunal de águas de Valência, que se reúne todas as quintas-feiras à sombra do pórtico gótico da Sé, é o tipo destas instituições. Constituem-no sete síndicos, eleitos pelos regantes de cada uma das acéquias principais: simples homens do povo que envergam blusa azul ou negra dos huertanos. «O processo é oral, sumaríssimo, público e gratuito», sem qualquer intervenção de advogados, escrivães ou juízes, os denunciantes são chamados por acéquias, as transgressões são logo julgadas e das decisões não há apelo nem agravo. Simplesmente, a jurisdição do tribunal é voluntária, não obrigatória; mas é muito raro que um regante se não sujeite a ela e prefira enredar-se nos longos e onerosos processos da justiça oficial.»


Horta comunitária de Benimaclet (Valência) | fotografia: Filipe Sousa | Abril 2019
«O huertano é, em certa medida, o oposto do camponês, tão progressivo quanto este é rotineiro. A horta é um lugar de ressonância atento ao apelo dos mercados e a todas as novidades da vida rural.»


Horta comunitária de Benimaclet (Valência)
fotografia: Filipe Sousa | Abril 2019
«Sem negar a forte influência árabe que se surpreende através do vocabulário da rega, das plantas que introduziram e das práticas que melhoraram, as raízes do regadio são certamente mais antigas. Algumas cidades de horta eram já importantes na época romana e em todo o litoral levantino da Península Ibérica se sente, desde os primeiros contactos com fenícios e gregos, uma prosperidade comercial que só o regadio podia sustentar. A Tunísia deve à generalidade das práticas de rega o alto nível de civilização que alcançou na Antiguidade e que a irrupção do nomadismo, com a conquista árabe, definitivamente comprometeu. O regime comunitário a que está sujeita com frequência a utilização da água de rega, faz supor uma remota ascendência pré-romana, por ser contrário ao individualismo agrário que o direito romano favorecia. Seja como for, o regadio corresponde a um ideal de vida muçulmano, a acumulação nas cidades e nos arrabaldes, enquanto vastas áreas semidesérticas ficavam abertas à vida nómada e ao seu fundamento pastoril. É lícita a perplexidade perante um problema que está longe de ser elucidado: influência árabe preponderante ou, pelo contrário, aproveitamento, por este povo ao mesmo tempo atraído pela rega e pela estepe, das áreas de Espanha que mais quadravam à sua maneira de viver?! Para o geógrafo, como para o historiador, a horta é um grande assunto de meditação.»


Orlando Ribeiro, Mediterrâneo - Ambiente e Tradição, 2ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1987, pp. 77, 101, 102, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113.  

Horta comunitária de Benimaclet (Valência) | fotografia: Filipe Sousa | Abril 2019

terça-feira, 13 de junho de 2017

Dos peixes e dos Antónios

Quando soube que o António havia soltado uns peixitos do barranco no tanque da horta, resolvi conferir mas só achei os dezoito do costume. Dos recém-chegados, sequer um leve espadanar de águas. Foi então que me lembrei de um outro António: o Vieira. E de uma certa passagem de um dos seus mais famosos sermões. Lapidar. Intemporal. 
«A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande.»
Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes, IV, pregado em São Luís do Maranhão, em 13 de Junho de 1654, faz hoje precisamente 363 anos, dia de Santo António (mais um António!).


sexta-feira, 19 de maio de 2017

Vivam as plantas!

Ontem, uma centena de alunos, professores e funcionárias da Escola do Sete Meio, e ainda alguns pais, estiveram na Horta Comunitária de Moura para celebrar o 4º Dia Internacional do Fascínio das Plantas, uma iniciativa organizada pela Associação para o Desenvolvimento do Concelho de Moura, sob a égide da European Plant Science Organization. Pretexto para conversas e actividades práticas sobre temas naturalmente fascinantes!, como a comunicação das plantas, a importância das plantas na agricultura, produção de alimentos, saúde humana e conservação do meio ambiente, famílias de plantas, consociação e rotação de culturas, plantação e multiplicação de plantas, conservação do solo ou o ciclo da matéria orgânica.
Uma viagem bem animada pelos meandros do universo vegetal, a partir dos recursos da Horta "à mão de semear", que favoreceu o processo ensino-aprendizagem, abriu múltiplas possibilidades de trabalho pedagógico na sala de aula e contribuiu ainda para reforçar a relação entre a escola e a comunidade. No final, brindámos todos ao fascínio das plantas com uma infusão deliciosa de lúcia-lima cultivada na nossa Horta. Tchin-tchin! E vivam as plantas!
Nota: A informação constante dos cartazes foi retirada do livrinho Guia prático - Agricultura biológica, da nossa amiga Maria Mota (Centro de Educação Ambiental de Vale de Cambra).